“O Ministério dos Direitos Humanos, liderado pelo ministro Silvio Almeida, tem registado que, em outubro, aquando da data do aniversário da terrível morte de Vladimir Herzog (25 de outubro), vai haver a reinstalação, ou seja, a continuidade da Comissão de Mortos e Desaparecidos, com o objetivo de conseguir justiça histórica”, disse à Lusa, o ministro da Justiça do Brasil, Flávio Dino, em Santiago, durante os atos de 50 anos do golpe militar no Chile que decorreram esta semana.
O jornalista, professor e dramaturgo Vladimir Herzog foi uma das mais emblemáticas vítimas da ditadura brasileira. Militante do Partido Comunista, foi torturado e assassinado em 25 de outubro de 1975.
“O programa será retomado, depois de indevidamente interrompido. A comissão começará agora e, com certeza, os trabalhos darão resultados, O Governo vai cumprir o seu papel”, confia Flávio Dino, quanto à possibilidade de localizar e de identificar pessoas desaparecidas pelo regime militar.
A CEMDP foi extinta pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em 30 de dezembro passado, no penúltimo dia do seu mandato, dedicado a impedir o desempenho da Comissão.
Desde então, familiares das vítimas, especialistas no assunto e até organismos internacionais têm pressionado o Governo do Presidente Lula da Silva, por ações efetivas de memória, verdade, justiça e reparação, começando pelo retorno da CEMDP, cuja interrupção é considerada ilegal.
Em 30 de agosto passado, por exemplo, familiares das vítimas entregaram ao Presidente Lula um Manifesto pela Reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.
Em março, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania enviou à assinatura do Presidente um decreto sobre o retorno dos trabalhos.
“Estamos a tomar todas as providências ao interior do Governo para que a Comissão possa ser retomada de maneira mais sólida e não ficar exposta ao tipo de ataque feito pelo governo Jair Bolsonaro, quem num ato ilegal, apontado pela própria Advocacia Geral da União, encerrou a Comissão. A CEMDP é um imperativo até mesmo da Corte Interamericana”, explicou à Lusa o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida.
Durante a entrevista à Lusa em Santiago, o ministro exaltou a importância da Comissão que, para ele, inspirou o Governo chileno a criar um órgão semelhante. Este mês, o Presidente chileno, Gabriel Boric, lançou uma inédita política para “localizar, recuperar, identificar e restituir os restos mortais” das 1.162 vítimas desaparecidas durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Dos 1.469 desaparecidos, foram encontrados somente 307.
“Parece-me que a iniciativa do Presidente Boric é inspirada na iniciativa que o Brasil tem desde 1995, ainda no Governo do presidente Fernando Henrique Cardoso”, aponta Silvio Almeida.
A Comissão Especial foi criada em dezembro de 1995 com o objetivo de encontrar mortos e desaparecidos devido às atividades políticas durante o regime militar. A Comissão também emitiu pareceres sobre indemnizações às famílias das vítimas.
Mas foi o contrário durante o Governo de Jair Bolsonaro (2019-2023), para quem o golpe militar não foi golpe e os militares evitaram uma ditadura comunista.
Antes de extinguir a Comissão, Bolsonaro impediu os seus trabalhos ao trocar quatro dos sete integrantes.
O Ministério Público do Brasil foi contra a decisão, argumentando que a CEMDP “é necessária para a perfeita execução das condenações impostas ao Brasil pelo Tribunal Interamericano de Direitos Humanos” e também considerou que “a extinção é prematura perante a existência de casos pendentes, que demandam providências administrativas como o reconhecimento de vítimas, busca de corpos e de restos mortais, além de registos de óbitos”.
Até agora, a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos confirmou 434 mortos pela última ditadura militar. Dessas, 210 ainda não puderam ser enterradas por permanecerem desaparecidas. No total, 377 agentes do Estado foram apontados como responsáveis pelas violações aos direitos humanos.
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