Interrogado pelo advogado Hugo Keith, o principal promotor do inquérito público, Johnson rejeitou hoje firmemente a ideia de que queria deixar o vírus “espalhar-se” pela população.
Abanando a cabeça, respondeu “Não, não, não” quando foi confrontado com notas no diário do antigo principal conselheiro científico Patrick Vallance que indicavam que ele tinha argumentado a favor de deixar o vírus espalhar-se rapidamente para aumentar a imunidade, em vez de impor mais restrições à população britânica.
O ex-primeiro-ministro, que depôs sob juramento, alegou que estava simplesmente a pressionar os cientistas para que estes explicassem porque é que a estratégia não funcionaria.
Na altura, o Governo debatia a possibilidade de impor um segundo confinamento nacional no outono de 2020 devido ao aumento das taxas de infeção.
Johnson rejeitou também a ideia de que não estava incomodado pelo “sofrimento que estava a ser infligido ao país” e emocionou-se ao partilhar a sua experiência de hospitalização com covid-19 em abril de 2020.
“Quando entrei nos cuidados intensivos, vi à minha volta muitas pessoas que não eram idosas. Eram homens de meia-idade e eram muito parecidos comigo – e alguns de nós iam sobreviver e outros não”, recordou, com a voz embargada.
“O que estou a tentar dizer em poucas palavras – e o Serviço Nacional de Saúde fez um trabalho fantástico e ajudou-me a sobreviver – é que eu sabia, devido a essa experiência, que esta doença é terrível. Não tive qualquer dúvida pessoal sobre isso”, acrescentou.
Confrontado com as notícias de festas durante a pandemia contrários às regras de distanciamento social, Johnson reconheceu que o comportamento, pelo qual ele e outros funcionários públicos foram multados, relacionados com o escândalo ‘Partygate’, foi errado.
“Quero sublinhar que continuo a lamentar muito o que aconteceu, mas quero salientar que a versão dos acontecimentos que entrou na consciência pública sobre o que aconteceu em Downing Street está a um milhão de quilómetros do que realmente aconteceu”, argumentou.
Ao contrário de outros testemunhos anteriores, Johnson evitou criticar pessoalmente as pessoas com quem trabalhou, mas admitiu que foram cometidos erros.
Na quarta-feira, primeiro dia de testemunho, lamentou “a dor, a perda e o sofrimento” causados, antes de ser interrompido por familiares de vítimas, que mostraram cartazes onde se lia “Os mortos não podem ouvir as suas desculpas”.
O antigo primeiro-ministro aceitou que o executivo “subestimou a escala e o ritmo do desafio” e o risco que o novo coronavírus representava no início da pandemia.
“Devíamos ter percebido. Devíamos ter percebido coletivamente muito mais cedo. Eu devia ter percebido”, afirmou.
Johnson negou que estivesse de férias em fevereiro de 2020, como afirmou o assessor Dominic Cummings, razão pela qual teria falhado as primeiras reuniões ministeriais sobre a crise.
Sobre a alegada resistência em decretar o primeiro confinamento nacional em 23 de março de 2020, disse que teve de ter em conta consequências como os efeitos no mercado de obrigações e a incapacidade para a dívida soberana britânica.
“Isto tem uma grande importância, afeta os meios de subsistência de pessoas em todo o país e eu tinha de escutar todos os argumentos”, explicou.
Boris Johnson atribuiu a problemas técnicos a falta de cerca de 5.000 mensagens escritas (WhatsApp) trocadas com outros ministros e assessores naquele período que não foram entregues ao inquérito, vincando que não apagou nenhuma.
“Não sei a razão exata. Parece que teve a ver com a aplicação ir abaixo e depois voltar e apagar tudo automaticamente”, justificou.
Apesar das críticas feitas ao antigo ministro da Saúde Matt Hancock por assessores como Dominic Cummings, Helen MacNamara ou Mark Sedwill, Johnson considerou que “no geral estava a fazer um bom trabalho”, razão pela qual não o demitiu.
O antigo chefe de Governo lamentou os termos agressivos e machistas lidos em algumas das mensagens trocadas entre membros da sua equipa, mas vincou a “distinção entre o tipo de linguagem utilizada e os processos de tomada de decisão do Governo”.
Acima de tudo, Johnson assumiu “total responsabilidade” pelas decisões tomadas.
“Em retrospetiva, pode ser fácil ver coisas que poderíamos ter feito de forma diferente. Na altura, eu senti e sei que todos os outros sentiram que estávamos a fazer o nosso melhor em circunstâncias muito difíceis para proteger a vida e também para proteger o [sistema de saúde público] NHS”, declarou.
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