No tribunal de Monsanto (Lisboa), o advogado Adriano Squilacce fechou o quarto dia de debate instrutório com palavras duras contra a forma como decorreu a instrução desde setembro, sob a liderança do juiz Pedro Santos Correia, contra o Conselho Superior da Magistratura (CSM) pela substituição do juiz Ivo Rosa, e contra a posição do Ministério Público (MP) sobre a perícia invocada devido ao diagnóstico de Doença de Alzheimer atribuído ao ex-presidente do BES.
“Há medo de fazer uma perícia médica objetiva e independente ao arguido. O arguido encontra-se numa situação de não poder exercer a sua defesa”, acusou o mandatário de Ricardo Salgado, sublinhando a degradação do estado de saúde do ex-banqueiro, conforme foi evidenciado nos relatórios médicos que juntaram ao processo: “O tribunal não explica como é que um arguido com doença de Alzheimer não vê o seu direito de defesa beliscado”.
“Como se pode explicar que o exercício de defesa na instrução se pode fazer assim? Queria o tribunal verificar que o arguido viesse aqui sem perceber o que é dito e com episódios de incontinência? E que depois teríamos de interromper a diligência para higienizar a sala de audiência? Queria o tribunal verificar as alterações da marcha e equilíbrio do arguido? Só não está verificado por perícia porque o tribunal não quis”, referiu.
Adriano Squilacce apontou também a aparente contradição do MP sobre esta matéria, ao lembrar que o Tribunal Cível de Cascais deferiu recentemente o pedido de realização da perícia médica a Ricardo Salgado no âmbito de outro processo, no qual o MP não se opôs. “O Instituto de Medicina Legal já veio dizer que se trata de uma perícia complexa”, reforçou.
A decisão do CSM de substituir em plena fase de instrução o juiz Ivo Rosa por Pedro Santos Correia, em setembro de 2022, na sequência do movimento de magistrados, foi também fustigada pelo mandatário do ex-banqueiro.
Adriano Squilacce lembrou que o atual juiz não preenchia o requisito de 10 anos de experiência para o exercício de funções no Tribunal Central de Instrução Criminal e alegou que a troca de juiz teria um objetivo para o processo BES/GES.
“O Conselho Superior da Magistratura encomendou que uma acusação fosse carimbada. E para que esta missão fosse executada, era preciso encontrar um executor em setembro de 2022, o que poderá explicar que nenhum juiz com o mínimo de 10 anos se tenha candidatado”, vincou o advogado, que notou que a partir desse momento esta fase processual se tornou inútil, descrevendo-a como uma “simulação de instrução”.
O advogado do ex-banqueiro apontou, inclusivamente, ao juiz a falta de conhecimento profundo deste processo, assinalando que é “humanamente impossível ler o processo inteiro” desde que assumiu a condução da fase de instrução.
A terminar os cerca de 45 minutos de alegações, sem comentar a pronúncia ou não pronúncia para julgamento relativamente ao ex-banqueiro, o advogado pediu apenas ao juiz para “tratar Ricardo Salgado como uma pessoa e não como uma coisa”.
O debate instrutório prossegue agora na terça-feira, a partir das 09:30, com as alegações das defesas dos restantes arguidos do processo também conhecido por Universo Espírito Santo.
Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.
Segundo o MP, cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
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