O jornal Le Soir noticiou ainda a realização de mais de vinte buscas no âmbito de uma investigação de lobby que envolve a chinesa Huawei e que terá ramificações em Portugal. A justiça Belga já deteve 15 eurodeputados e um assessor para interrogatório.

Em causa está o suborno de eurodeputados por parte de uma subsidiária da Huawuei. Suspeita-se que alguns pagamentos tenham sido feitos também por uma empresa portuguesa e estão a decorrer 21 buscas no país. Uma morada foi, aliás, alvo de uma busca realizada por polícias portugueses na manhã de quinta-feira.

"Várias pessoas foram detidas para interrogatórios sobre uma suposta participação em corrupção ativa no Parlamento Europeu", anunciou a Procuradoria Federal num comunicado. Há uma lista oficiosa a circular entre deputados do Parlamento Europeu que aponta dez nomes, nenhum português, cinco italianos, três romenos, um checo e um esloveno, pertencentes, maioritariamente, ao Partido Popular Europeu (PPE), nos últimos dez anos.

A procuradoria destacou que os atos de corrupção foram praticados de forma regular "e muito discretamente de 2021 até o presente, sob a aparência de lobby comercial".

Fonte da  Huawuei Portugal disse ao SAPO24 não ter informações sobre o caso, "nem poder provar que as afirmações são verídicas". Esclarece, no entanto, que a empresa portuguesa é autónoma da belga.

Ao SAPO24, João Cotrim Figueiredo, eurodeputado português, avança que "não parece haver portugueses. As buscas em Lisboa têm a ver com a subsidiária da Huawei que terá oferecido ‘coisas’". Na verdade, "é mais lama no ventilador", comenta.

O Ministério Público português já confirmou a cooperação internacional neste caso. "Confirma-se a realização de buscas no âmbito de uma DEI (Decisão Europeia de Investigação) emitida pelas autoridades belgas. A DEI foi cumprida pelo Ministério Público do DCIAP com a coadjuvação da PJ", refere a Procuradoria-Geral da República ao SAPO24.

A justiça interpelou vários lobistas que trabalhavam para a empresa de telecomunicações Huawei, suspeitos de terem corrompido ex-deputados europeus e deputados no ativo, com o objetivo de favorecer a política comercial da empresa na Europa.

Foram realizadas buscas nas residências e nos escritórios de vários lobistas que trabalharam e ainda trabalham para a empresa Huawei. As acusações são de "corrupção", "falsificação e uso de falsificação", "lavagem de dinheiro" e "organização criminosa".

Até esta quinta-feira, tratava-se de um processo "sob embargo", com o nome de código: "Geração", em que apenas um número restrito de magistrados e oficiais estavam a par do caso. Ao SAPO24, o porta-voz do PE confirma que toma nota do sucedido e que sempre que solicitado tem colaborado totalmente com as autoridades.

Segundo a AFP, os atos tinham "o objetivo de promover interesses comerciais puramente privados", apontou a procuradoria. Durante as buscas, os agentes "apreenderam vários documentos e objetos, que serão cuidadosamente analisados".

"Os benefícios patrimoniais relacionados com a corrupção presumida estariam possivelmente misturados em fluxos financeiros ligados ao pagamento de despesas de conferências, e pagos a diferentes intermediários, com o intuito de dissimular o seu caráter ilícito ou de permitir que os autores escapassem às consequências dos seus atos. Sob este ponto de vista, a investigação também se foca em identificar elementos de lavagem de dinheiro, quando aplicável", acrescenta a Procuradoria Federal, em entrevista ao Le Soir.

"As vantagens financeiras ligadas à alegada corrupção foram possivelmente misturadas com fluxos financeiros ligados ao pagamento de despesas de conferências e pagas a vários intermediários, com o objetivo de ocultar a sua natureza ilícita ou de permitir que os autores escapassem às consequências dos seus atos”, diz o procurador Federal, citado pelo diário belga francófono.

Contactada pela Lusa, a Polícia Judiciária confirmou estar a colaborar com as autoridades belgas, mas não acrescentou mais pormenores. Levanta-se, no entanto, a hipótese de ter havido transferências feitas “para um ou mais deputados europeus através de uma empresa portuguesa” que terá sido também alvo de buscas hoje, acrescenta o jornal Le Soir, sem adiantar pormenores.

Segundo o procurador, a investigação procura igualmente identificar eventuais elementos de branqueamento de capitais.

Ao contrário do caso Watergate - que envolveu malas de dinheiro –, a corrupção presumida neste caso teria ocorrido principalmente por meio de presentes de valor (incluindo smartphones Huawei), bilhetes para jogos de futebol (a Huawei possui, por exemplo, uma caixa privada no Lotto Park, o estádio do RSC Anderlecht) ou transferências de alguns milhares de euros.

De acordo com as informações do Le Soir e seus parceiros, os investigadores têm suspeitas concretas de corrupção de atuais e ex-eleitos de vários partidos políticos, e cerca de 15 eurodeputados estão no radar de uma investigação judicial que promete ser vasta.

O código de conduta dos eurodeputados

De acordo com o código de conduta dos deputados europeus, no artigo 5º, "os deputados ao PEU abstêm-se de aceitar, no exercício das suas funções, presentes ou benefícios similares, a não ser que o seu valor aproximado seja inferior a 150 euros e sejam oferecidos por cortesia". Este valor deve ser declarado e registado publicamente no registo de presentes.

"A corrupção teria ocorrido de forma regular e muito discreta de 2021 até hoje, sob a fachada de lobbying comercial e assumindo várias formas, como remunerações por posições políticas ou até presentes excessivos, como despesas com alimentação, viagens ou convites regulares para jogos de futebol", comenta a Procuradoria Federal, sem mencionar o nome da Huawei.

*Notícia atualizada às 13h44 para corrigir título que dava conta que a Huawei Portugal estaria envolvida no caso. Até ao momento o SAPO24 confirma que foi uma subsidiária da Huawei em Portugal

*Com Lusa