“António Costa quer uma maioria absoluta e fará todo um discurso de campanha queimando pontes possíveis numa espécie de `eu sozinho sou uma boa solução´, resta saber se o país acha que isso é uma boa ideia”, antecipou, em entrevista à agência Lusa, a propósito das eleições legislativas de 30 de janeiro.
Para a coordenadora nacional bloquista, independentemente de quem teve culpa pelo chumbo do Orçamento do Estado para 2022 — para o BE, foi o PS — continua a ser possível a construção de “maiorias parlamentares de esquerda” em que tudo vai depender “da relação de forças” resultantes dos votos dos portugueses.
“Independentemente da apreciação do momento da crise – [o PS] foi falso, foi precipitado nesta vontade de ter uma maioria absoluta – independentemente desse julgamento, toda a gente percebe em Portugal que a situação de impasse político e a situação de uma espécie de pântano na vida nacional, em que os problemas não são resolvidos, é uma situação que não pode continuar”, considerou.
Para Catarina Martins, “é preciso um ciclo novo” que não será trazido nem por uma maioria absoluta do PS nem “pela direita ou pela extrema-direita” que, resume, “acha sempre que o salário mínimo é alto” e não quer “reforçar os serviços públicos”.
Face à posição do secretário-geral do PS, António Costa, que pediu “metade mais um” dos votos, por outras palavras, a maioria absoluta, Catarina Martins responde que “as pessoas sabem o que é a maioria absoluta do PS”.
Esse é também o argumento que utiliza quando questionada sobre se receia perder votos para o PS e o efeito do chamado “voto útil”: “As pessoas têm memória” e “bem sabem o que é uma maioria absoluta do PS, são recibos verdes, são privatizações”.
“Essa memória do que é uma maioria do PS e do que é também a direita é uma memória que também vale no momento do voto”, sustenta Catarina Martins, insistindo que se a “esquerda tiver força, vai ser possível encontrar maiorias parlamentares para escolhas exigentes”.
Catarina Martins considerou que se exige aos partidos “clareza” sobre as condições de governabilidade e garantiu que o BE, “tal como em 2015 e 2019” está disponível para “um caminho negociado” no pós-eleições, caso se repita um cenário em que o PS vença sem maioria.
“A próxima legislatura tem de ter essa clareza. No BE sempre defendemos que era importante haver um acordo de maioria para uma legislatura, que fosse um acordo de governo, que tivesse etapas, metas, estratégias e objetivos que todo o país percebesse. E isso é preciso agora, e à cabeça é preciso uma reformulação do SNS, temos lutado muito por isso”, declarou, acrescentando as questões laborais e o aumento dos salários ao “caderno de encargos” bloquista.
“Quando não há maioria absoluta, certamente que o caminho há de ser um caminho negociado e há de ter de ter metas e estratégias que ultrapassem as debilidades dos serviços públicos, da escola pública, da justiça, mas também que seja capaz de recompor os salários e os direitos do trabalho em Portugal”, acrescentou.
Na memória de Catarina Martins, está um PS que em 2015 “não queria entender-se com ninguém, queria maioria absoluta”. E foi “a relação de forças” que resultou das eleições que “obrigou o PS a um acordo diferente” — a geringonça — que permitiu “descongelar as pensões e uma série de outros passos que as pessoas reconhecem como um momento importante da recuperação do país”.
Em 2019, continuou, o PS “ficou um pouco zangado” por mais uma vez falhar a maioria absoluta, mas, por ter tido mais força nas urnas [do que em 2015], “quis parar esse processo [de acordos à esquerda] e verdadeiramente parou, deixou de dialogar à esquerda” e preferindo “voltar-se para a direita” enquanto mantinha “a fantasia” de conseguir viabilizar os orçamentos à esquerda com políticas que “já não correspondiam”.
Da legislatura que termina, Catarina Martins observou que o que fica é o PS a negociar com o PSD o fim dos debates quinzenais “para tirar centralidade ao parlamento” e “em relação à contratação pública, os fundos europeus, e uma espécie de partilha de `bloco central´ dos cargos dirigentes”.
BE quer continuar terceira força política para afastar maioria de direita — mas abstenção maior será derrota
A coordenadora do BE considerou que é “muito importante” que o partido continue como terceira força política do país para afastar uma maioria de direita, mas um aumento da abstenção será uma derrota nas legislativas.
“É muito importante que o BE seja a terceira força política do país. O Bloco de Esquerda enquanto terceira força política é a garantia de uma exigência muito grande num programa de Governo que resolva os problemas do país”, disse Catarina Martins.
A dirigente bloquista sustentou que a manutenção enquanto terceira força política vai ser “uma garantia de que a maioria de direita será afastada e é também uma garantia de que se vence a extrema-direita” em Portugal.
Questionada sobre como encarava um cenário de diminuição do número de mandatos que fizesse o partido 'cair' enquanto terceira força política, dando lugar, por exemplo, ao Chega, Catarina Martins referiu que “não alcançar objetivos é sempre uma derrota”, seja "pessoal ou coletiva", mas o partido está convicto de que vai conseguir impedir uma alteração de maioria na Assembleia da República.
Uma possível ascensão do partido de extrema-direita, que atualmente tem em André Ventura o único deputado, é consequência de anos de desmoralização face à persistência dos mesmos problemas, considerou.
“Um dos problemas da falta de resposta à vida concreta das pessoas é o desânimo. E quando instalada, às vezes, a raiva toma o lugar da força e da esperança de construir soluções. Isso é o que tem acontecido um pouco no resto da Europa. Por isso é que é muito importante que a política sirva para resolver problemas das pessoas”, concretizou.
Contudo, uma derrota, na ótica da coordenadora do BE, não está associada à redução do número de mandatos, está no aumento da abstenção e no descrédito na política.
“Um mau resultado é as pessoas não irem votar. Um mau resultado é as pessoas desistirem do país, no meio desta confusão, da pandemia, do cansaço… Isso seria o pior. Este é um momento muito complicado, sentimo-lo todos, estamos todos cansados com a pandemia. Não se criaram as soluções que era preciso e as pessoas ficam fartas com isso”, elaborou.
BE acusa Governo de "impreparação" e aponta saúde como prioridade
Catarina Martins defende que a concretização da Lei de Bases da Saúde deverá ser a prioridade do próximo Governo e acusa o Executivo de revelar uma “enorme impreparação” na resposta à atual fase da pandemia de covid-19.
"É necessário tirar a Lei de Bases da Saúde do papel e fazer dela uma realidade, criando um estatuto para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), não aquela proposta que o Governo apresentou que não resolve nada", afirmou a coordenadora do BE.
Para o BE, “o SNS não tem meios e tem uma organização que está obsoleta” e, por isso, é necessário concretizar a legislação fundamental da saúde aprovada há dois anos, mas, criticou, o PS “não tem vontade de mudar nada, nunca a tirou do papel”.
Continuar a atrasar a aplicação da Lei de Bases da Saúde vai degradar ainda mais a qualidade dos serviços públicos de saúde, considerou: “Os profissionais de saúde estão exaustos, fazem autênticos milagres todos os dias, mas não estão a responder como é necessário à população”.
A saúde, em particular a concretização da Lei de Bases, é, para o BE, primeira condição para negociações à esquerda na sequência das eleições de 30 de janeiro, apontou.
Sobre a presente fase da pandemia, Catarina Martins acusou o Governo de demonstrar "uma enorme impreparação", uma vez que o atual pico de casos de infecção pelo vírus que provoca a covid-19 era expectável nesta altura do ano e devia ter sido acautelado o reforço dos recursos.
“[O Governo], como quer atrasar toda a despesa, como quer ver se não faz a despesa, faz a despesa tarde demais, sistematicamente tarde demais. Ouvimos a ministra da Saúde dizer na terça-feira que ia finalmente reforçar a Saúde 24, já depois de a Saúde 24 estar em colapso”, criticou.
A coordenadora bloquista, reeleita em maio para mais um mandato à frente do partido, considerou também que “não há nenhuma novidade em haver uma nova variante” do SARS-CoV-2 e que o Governo voltou a demonstrar que não estava preparado.
“Há meses que sabíamos que ia aparecer uma variante nova. Há meses que se sabia que o país tinha de estar preparado para isso. É normal, não se está a vacinar o mundo todo, as variantes novas aparecem (…). E o Governo, em vez de reforçar as equipas, em vez de proteger os médicos de família, os enfermeiros e os cuidados primários, o que fez foi empurrar para os cuidados primários de saúde todo o trabalho de um enorme número de casos”, completou.
Catarina Martins sustentou que “ao fim de dois anos não devíamos estar a falar de impreparação” e que “o facto de Portugal ser um dos países que menos gastou com a pandemia não é bom”.
*Por André Campos Ferrão e Sónia Ferreira (texto), Miguel A. Lopes (foto), da agência Lusa
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