O presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), António Mota, classificou como “muito grave” o furto de material de guerra dos paióis de Tancos, afirmando que “afetou claramente a dignidade das Forças Armadas”.
Primeiro a ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito para apurar as responsabilidades do furto de Tancos, António Mota considerou que o furto “começa por ser estranho”, mas enquadrou o caso no contexto das restrições orçamentais e da falta “colossal” de efetivos nas Forças Armadas.
“Ficam espantados quando estas coisas acontecem? Claro que vão acontecer mais vezes. Continuemos, o país, a permitir que se reduzam efetivos militares à velocidade colossal, continuem a não fazer os investimentos nos orçamentos de funcionamento das Forças Armadas e estas situações irão ocorrer de novo”, declarou.
“Só não irão ocorrer se o poder político revir o que pretende das Forças Armadas e finalmente as dotar de meios humanos e recursos financeiros e logísticos” necessários ou, em alternativa, quando os chefes militares começarem a dizer “que não é possível cumprir as missões”.
António Mota destacou ainda que as Forças Armadas estão a “perder mil efetivos por ano” e que “no terreno os comandantes queixam-se da falta de efetivos”, uma situação que se agrava, disse, quando, “depois, o pouco que ainda há é canalizado para as missões de âmbito operacional”.
Quanto a responsabilidades, António Mota declarou que “efetivamente existem, do soldado ao general”, mas, frisou, “os militares cumprem missões”, e que “é o poder político que determina as missões”.
O coronel insistiu neste ponto, afirmando que “tem de se proporcionar os meios necessários e suficientes para que as missões sejam cumpridas e isso não acontece em Portugal há décadas”.
Questionado sobre as exonerações dos comandantes das cinco unidades responsáveis pela segurança dos paióis, António Mota considerou que foi uma decisão “legal e legítima” do então Chefe do Estado-Maior do Exército, Rovisco Duarte.
Na audição seguinte, Mário Ramos, presidente em exercício da Associação Nacional de Sargentos (ANS), considerou grave o furto em Tancos e alertou para “um desinvestimento continuado ao longo de 20 anos nas Forças Armadas”.
Mário Ramos complementou o cenário com a análise de que os efetivos militares estão abaixo dos 32 mil previstos, o material e o equipamento estão degradados e há falta de incentivos para captar jovens para as fileiras.
“Isto é um reflexo de tudo o que aconteceu em Tancos”, declarou o responsável da ANS, queixando-se que os militares têm sido “por vezes, laboratórios para determinadas soluções que mais tarde se verifica serem inadequadas”.
O dirigente da ANS evitou comentar questões operacionais – a forma como era feita a segurança dos paióis — e nada disse sobre a decisão de exonerar cinco comandantes de unidades, remetendo as explicações “para os chefes”.
E criticou a punição disciplinar a um sargento, um cabo e um oficial “para aliviar a pressão momentânea” após o furto, discordando que sejam usados como “os bodes expiatórios”.
O último a ser ouvido, Luís Reis, presidente da Associação de Praças, alinhou nas queixas quanto à falta de pessoal e apontou às falhas do material, como as vedações ou a videovigilância que não funcionava.
Luís Reis afirmou ainda que ninguém compreende porque é que Tancos, sendo “um problema crónico”, ninguém “tomou a decisão de reparar as vedações e a videovigilância”.
Para este dirigente associativo, o ex-Chefe do Estado-Maior do Exército Rovisco Duarte deveria ter-se demitido mais cedo, dado que estava no topo da hierarquia de comando em que foram responsabilizados, por exemplo, um cabo, um sargento e um oficial com a responsabilidade da segurança das instalações.
Na sua opinião, “é curto” o número de militares que fazia as rondas aos paióis de Tancos.
E se o orçamento, queixou-se Luís Reis, pode ter tido aumentos, as cativações feitas pelo Governo, condicionam o normal funcionamento das Forças Armadas.
O caso do furto de armas em Tancos ganhou importantes desenvolvimentos em 2018, tendo sido detidos, numa operação do Ministério Público e da Polícia Judiciária, sete militares da Polícia Judiciária Militar e da GNR, suspeitos de terem forjado a recuperação do material em conivência com o presumível autor do crime.
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