A grande novidade do estudo, cujos primeiros resultados foram hoje publicados na revista científica Scientific Reports, do grupo Nature, é o facto de os cientistas demonstrarem “com dados experimentais que o aumento da temperatura e da salinidade, devido ao aquecimento global, representa um risco para a integridade ecológica dos ecossistemas de águas subterrâneas”, disse à agência Lusa Ana Sofia Reboleira, acrescentando que tal ”terá consequências diretas na qualidade dessas importantes reservas estratégicas de água para a humanidade”.
A extensão dos impactos da atividade humana sobre os ecossistemas subterrâneos está a ser estudada no âmbito do projeto internacional “HiddenRisk”, liderado pela cientista portuguesa na Universidade de Copenhaga (Dinamarca) e financiado pela fundação dinamarquesa Villum Fonden.
“Começamos agora a ver publicados os primeiros resultados de quase três anos de estudos em diversas partes do mundo, que vão deste a Austrália às regiões árticas do norte da Noruega”, afirmou Ana Sofia Reboleira, referindo que “debaixo dos nossos pés estão 97% dos recursos de água doce disponíveis para o consumo humano imediato”, bem como ”os maiores recursos de água para a produção de alimentos e para a indústria”.
As águas subterrâneas são “habitat de uma surpreendente e desconhecida diversidade de formas de vida adaptadas à escuridão, espécies muito raras, sem olhos, sem cor, e que têm um papel fundamental na manutenção da qualidade destas águas”, explicou a bióloga, vincando os riscos já referidos para a integridade ecológica destes ecossistemas.
“Apesar de descobrirmos que o aumento da temperatura isoladamente representa um risco para animais que vivem em reservas de água subterrânea (sobretudo crustáceos microscópicos), o aquecimento global também agudiza o problema da salinização das reservas de águas subterrâneas”, concluiu o estudo, que demonstra igualmente que a sobrevivência dos animais que vivem nestes ecossistemas “está ameaçada pelo aumento do sal nestas reservas de água doce”.
De acordo com os cientistas envolvidos no estudo, a capacidade de os organismos tolerarem a salinidade está relacionada com a forma como lidam com o stress osmótico, ou seja, como controlam a perda de água do interior dos seus corpos para a solução de sal onde se encontram.
Por isso, a salinização das águas subterrâneas e “um problema ambiental à escala global”, pois as atividades humanas “podem induzir a salinização das águas subterrâneas de várias maneiras, como a intrusão de água do mar nos aquíferos costeiros, causada pelo aumento do nível médio das águas do mar ou pelo bombeamento excessivo das águas subterrâneas, e até pela aplicação direta de sal, por exemplo, para impedir a formação de gelo nas estradas”, sublinhou a investigadora.
Os processos de salinização associados às atividades humanas “são dramaticamente intensificados em regiões áridas e semiáridas, que são muito mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, particularmente o aumento da temperatura devido ao aquecimento global”, adiantou Ana Sofia Reboleira, exemplificando com o trabalho de campo realizado em zonas áridas e semiáridas do sudeste da Austrália, assim como as diversas experiências realizadas em laboratório, num período em que a cientista portuguesa esteve como professora associada visitante na Universidade de Macquarie em Sydney, na Austrália.
“A maior parte do nosso trabalho de campo é feito em grandes espaços subterrâneos, como as grutas, que funcionam como uma janela para a observação destes ecossistemas. Neste caso, estivemos a trabalhar em aquíferos em arenitos, um tipo de rocha que apenas permite o acesso aos níveis freáticos através de furos que foram realizados para a investigação científica e através dos quais foram extraídos os organismos estudados”, disse.
O estudo tem como coautores a doutoranda Andrea Castaño-Sánchez, da Universidade de Copenhaga, e o professor Grant Hose, da Macquarie University, em Sydney.
Até ao fim do ano serão divulgadas mais conclusões das investigações realizadas em zonas temperadas, subárticas, subtropicais e tropicais, passando também por ecossistemas de águas subterrâneas portuguesas.
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