Em entrevista à agência Lusa, o antigo ministro social-democrata, que nas eleições legislativas encabeçou a lista da AD pelo círculo de Viana do Castelo, regista a abertura do candidato à liderança do PS José Luís Carneiro para que a eleição do presidente e ‘vices’ do parlamento retome uma “normalidade” que não aconteceu em 2024 e considera que o novo quadro político requer maturidade dos deputados e esforços redobrados para que se alcancem consensos.

José Pedro Aguiar-Branco afirma também que se recandidata às funções que ainda exerce para procurar concluir matérias que considera importantes e que foram interrompidas, como a reforma da justiça e as iniciativas para aproximar o parlamento dos cidadãos.

“Acho que a função de presidente da Assembleia da República talvez seja neste momento das mais exigentes no que diz respeito ao próprio regime democrático, porque tem uma dimensão conceptual, mas tem também uma dimensão operacional. É no parlamento que se têm de fazer consensos e criar maiorias, que se tomam medidas que depois impactam na vida dos cidadãos e se faz o escrutínio da ação do Governo – isto é nuclear no que diz respeito à qualidade do regime democrático”, adverte.

José Pedro Aguiar-Branco diz mesmo sentir “essa responsabilidade sobre os ombros”.

”Das minhas decisões, se vier a ser eleito, do que eu digo, do que eu faço e do que eu permito, impacta muito naquilo que tem a ver com a qualidade do regime democrático. É muito trabalhoso mas a democracia dá muito trabalho”, realça.

Interrogado se espera que o PSD dialogue com o Chega e PS para a sua reeleição, remete essa questão para a liderança dos grupos parlamentares, mas assinala a abertura de José Luís Carneiro, até agora o único candidato à liderança dos socialistas, para facilitar o processo de eleição.

“Penso que será saudável para o prestígio do parlamento que a eleição do próximo presidente [da Assembleia da República] se possa fazer com a normalidade que aconteceu no passado e que em 2024 teve, digamos, uns contornos diferentes”, responde.

Sobre o socialista José Luís Carneiro, diz que o conhece “bem” desde os tempos em que este era presidente da Câmara de Baião e ele ministro da Justiça, e com quem teve sempre “uma muito boa relação pessoal e também institucional”.

Confrontado com as críticas da esquerda por, alegadamente, não ter travado o chamado “discurso de ódio” no parlamento ao longo do último ano, o presidente da Assembleia da República declara que vai manter a mesma linha de rumo, que classifica como de equidistância em relação a todos os deputados.

“Eu pautei a minha intervenção – e pautarei o meu desempenho – por aquilo que é importante para a dialética democrática, para o debate democrático, para a liberdade de expressão, para que todos possam no parlamento serem a voz daqueles que representam e não propriamente para estar contra o partido A, B ou C”, sustenta.

José Pedro Aguiar-Branco avisa mesmo que se podem correr “sérios riscos caso se entenda que será um presidente da Assembleia da República que tem o juízo ou o poder de censura em relação a uma intervenção [de um deputado], dizendo que ela é isto ou aquilo do ponto de vista criminal”.

“Não tenho esses poderes, porque não sou Ministério Público”, alega.

Sobre uma eventual revisão do Regimento da Assembleia da República e do Código de Conduta dos deputados, o antigo ministro social-democrata admite que esses temas sejam revisitados na próxima legislatura, mas aponta que são assuntos da responsabilidade dos grupos parlamentares.

José Pedro Aguiar-Branco também manifesta reservas caso se avance para um quadro de agravamento de sanções aos deputados.

“Espero que nesta próxima legislatura este tema possa ser revisitado se os grupos parlamentares assim o entenderem, sendo que teria sempre muita atenção em fazer qualquer evolução que fosse para um regime sancionatório que não tivesse em conta que todos os que lá estamos [no parlamento] estamos em representação do povo português e que, em última análise, é o povo português quem deve penalizar ou premiar aqueles que elegem num determinado momento para os representar”, acrescentou.

Desdramatiza fim da maioria constitucional PSD/PS

O presidente da Assembleia da República salienta que a vontade popular resultante das eleições tem de ser respeitada, que a democracia portuguesa não estabeleceu uma maioria constitucional definitiva e antevê maiorias de geometria variável na próxima legislatura.

Estas posições sobre o quadro político da nova legislatura resultante das eleições legislativas antecipadas foram defendidas por José Pedro Aguiar-Branco em entrevista à agência Lusa.

Interrogado sobre o crescimento eleitoral do Chega e o fim da maioria constitucional de dois terços entre PSD e PS, o presidente do parlamento considera que tal “obriga a um exercício maior de esforço de consensualização” para a nomeação de personalidades para cargos como os juiz do Tribunal Constitucional, Provedor se Justiça ou de presidente do Conselho Económico e Social.

Em concreto, sobre os novos condicionalismos para que se obtenha no parlamento uma maioria de dois terços de votos favoráveis para a nomeação de novos juízes para o Tribunal Constitucional, Aguiar-Branco observa:

“O Tribunal Constitucional está lá, funciona. Se é preciso mudar, muda-se com o consenso que existir. Se não houver esse consenso, continuará a trabalhar com quem está”. Ou seja, alguns dos juízes poderão ficar em funções algum tempo para além do fim do respetivo mandato.

Já sobre as consequências políticas de PSD e PS já não terem dois terços dos mandatos do parlamento, responde: “Não podemos também considerar que a democracia portuguesa tinha estabelecido desde a origem uma situação que funcionaria sempre num determinado quadro”.

“Não podemos considerar que o regime democrático, ou que a democracia só é boa, quando está inclinada para o lado que eu acho”, argumenta.

O antigo ministro social-democrata aponta que a configuração do próximo parlamento “é a que é”.

“Expressa a vontade do povo português e temos de respeitar essa vontade”, acentua, deixando depois uma mensagem de otimismo.

“Acredito que a democracia vai funcionar, o parlamento vai funcionar, vamos ter necessidade de fazer consensos e vai haver necessidade de maiorias com geometria variável. É um trabalho exigente”, assume, antes de realçar a importância de a nova legislatura ser cumprida na totalidade.

“Todos nós, políticos e partidos em particular, devemos ter a maturidade para saber interpretar corretamente a vontade dos portugueses e atuar em conformidade”, acentua.

Nesta entrevista, ainda em defesa de uma atitude de responsabilidade e de moderação por parte de cada Grupo Parlamentar em processos negociais, o presidente do parlamento adverte também que “não se pode estar sempre a dizer que é preciso respeitar a vontade popular” e “depois não haver noção sobre a proporção que cada um tem nessa vontade”.

José Pedro Aguiar-Branco invoca igualmente os desafios que Portugal terá de enfrentar à escala europeia e mundial.

“Termos em Portugal estabilidade permite-nos ter uma capacidade de resposta a esses desafios mais forte do que se tivermos mais fogo na fogueira”, refere.

O presidente da Assembleia da República assinala ainda que os parlamentos estão muito fragmentados na Europa e em outras geografias, pelo que “têm uma centralidade política enorme”, gerando geometrias às vezes mais complicadas para poder haver governos”.

Mas – sublinha - “este é o ciclo em que nós temos de viver e praticar a nossa democracia. Compete-nos fazer essa preservação da democracia com competência. Acho que a próxima legislatura vai ser trabalhosa, vai dar muito trabalho, mas estamos a praticar a democracia e acho que o parlamento vai funcionar”.

Interrogado sobre uma revisão constitucional no novo quadro político – tema levantado pela Iniciativa Liberal e que o Chega seguiu -, José Pedro Aguiar-Branco afirma que se tem procurado “insuflar” dramatismo em relação a esse assunto.

“Rever a Constituição faz parte da normalidade, a própria Constituição prevê que possa ser objeto de revisão periódica. E para que ela aconteça é preciso que haja uma determinada maioria, que só existirá se aqueles que a compõem - e nenhum por si tem esse poder - se entenderem. Portanto, pode ser muito radical ou pode ser muito conservadora, que não acontece sem consenso alargado. Se ele não existir, não há”, aponta.

Questionado sobre a possibilidade de haver na nova legislatura uma comissão parlamentar de inquérito sobre a Spinumviva, empresa familiar do primeiro-ministro, Luís Montenegro, o presidente da Assembleia da República refere que até gostaria de comentar esse tema com outra profundidade se não exercesse o cargo que ocupa. Limita-se por isso a considerar que essa “é uma matéria de dimensão estratégica, política e partidária”.

“Cabe depois, do ponto de vista da ação política, saber se ela [comissão parlamentar de inquérito] é oportuna ou não” e se tem “algum interesse em concreto” realizá-la para uma determinada força política, acrescenta.

Espero que Presidenciais não se transformem num debate antipartidos

O presidente da Assembleia da República afirma esperar que as eleições presidenciais não tenham como alvo os partidos políticos e que o próximo chefe de Estado respeite o parlamento e saiba interpretar os seus poderes constitucionais.

Na entrevista à agência Lusa, José Pedro Aguiar-Branco não se pronunciou sobre as candidaturas do almirante Gouveia e Melo ou do antigo líder do PSD Luís Marques Mendes. Reiterou, porém, a sua ideia de que a questão das presidenciais foi colocada cedo demais no debate político.

Sobre a próxima campanha para as eleições presidenciais deixou um recado: “Gostaria que o debate das presidenciais não se transformasse num debate antipartidos, porque os partidos políticos são fundamentais e estruturantes numa democracia, são fundamentais numa democracia liberal representativa”.

O antigo ministro social-democrata alerta para os “perigos” da democracia direta, através de redes sociais ou de outras formas de comunicação “sem filtro”, e contrapõe que os partidos ou os movimentos “são absolutamente críticos e vitais para uma democracia”.

“Tudo o que seja um discurso antipartidos é perigoso para a democracia. Desejava que as presidenciais não se transformassem num debate antipartidos, que acho perigoso para a própria democracia”, reforça.

Interrogado sobre o que espera de um próximo Presidente da República em termos de leitura dos seus poderes constitucionais, Aguiar-Branco fez questão de sublinhar a natureza semiparlamentarista ou semipresidencialista do regime português.

“O foco no parlamento é um foco muito importante no nosso regime. Pessoalmente, adiro a essa dimensão da importância do parlamento, da representação plural e do poder que [dele] emerge ser um poder que tem de ser tido em conta por qualquer outro órgão de soberania”, adverte.

E conclui: “O Presidente da República tem um especial dever e cuidado - e assim acredito que será - de ter esse respeito por outro órgão de soberania, e no caso concreto o parlamento. É do parlamento que emana a dimensão de Governo a que estamos habituados e que acho que é saudável para a nossa democracia”.

Coragem para discutir incompatibilidades e remunerações dos políticos

O presidente da Assembleia da República considera que há um problema muito sério com o recrutamento de cidadãos qualificados para a política e pede coragem para se rever os estatutos remuneratório e de incompatibilidades dos políticos.

“É preciso ter coragem de colocar sem demagogia no debate político matérias que são impactantes para a nossa democracia – e é saudável que haja ideias diferentes sobre o tema”, defende José Pedro Aguiar-Branco em entrevista à agência Lusa.

O presidente do parlamento fez questão de distinguir os estatutos remuneratório e de incompatibilidades da existência de um registo de interesses rigoroso.

“Acho que é importante o registo de interesses e conflito de interesses que devem ser referenciados. E se houver uma violação desse registo de interesses deve haver uma punição. Uma punição que deve ser célere e suficientemente forte para que essa violação do conflito de interesses seja realmente sancionada”, começa por assinalar.

Porém, o antigo ministro social-democrata manifesta-se contra a complexidade inerente ao atual regime de incompatibilidades aplicado aos titulares de cargos políticos. Alega que alguém que tenha mérito na sociedade vê-se impossibilitado de entrar na política, porque “é inspecionado o tio, o primo, a sobrinha”.

“Chega-se a situações de suposta fiscalização que acaba por ter um efeito perverso”, porque afasta da atividade política cidadãos com “mérito profissional, ou com mérito social”, ou, ainda, pessoal com “capacidade de influência boa”, alerta.

O presidente da Assembleia da República entende mesmo que a democracia enfrenta “um problema muito sério, um problema de recrutamento, no sentido de criar as condições para que as pessoas estejam disponíveis também para a causa pública”.

“Isto são coisas em relação às quais não se sente o efeito amanhã, sente-se o efeito ao fim de muitos anos. Alguns destes regimes foram alterados há muitos anos e contribuíram para haver uma certa degradação no que diz respeito aos cidadãos que têm disponibilidade para a ação política”, acrescenta.

Em relação à saúde da democracia, o presidente da Assembleia da República acredita que se verificou “um relaxe geracional” de quem entendeu já não ser preciso ter ação política e, por essa via, houve uma “desgraduação” dos seus titulares.

“Isso faz com que os melhores no sentido de mérito não sintam a necessidade de o fazer. E não há omelete sem ovos”, conclui.

*Por Luísa Meireles e Pedro Morais Fonseca (texto) e António Pedro Santos (fotografia) da Agência Lusa