“Há falta de pasto, a produção cerealífera foi baixa e não há alimentos disponíveis para dar aos animais. Como se não bastasse, o recurso a fenos e palhas oriundos de outros países também não é opção, pois a seca também afetou as regiões onde os criadores de gado portugueses se costumam abastecer, quando a produção em Portugal é baixa”, apontou, em resposta à Lusa, Vítor Rodrigues da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
O preço das rações de animais, segundo a confederação, também se mantém muito elevado, ficando assim muitas explorações pecuárias em “situação de sufoco”, sendo que várias “poderão não resistir” a mais um ano consecutivo de seca.
Além da seca prolongada, as altas temperaturas, verificadas nos últimos dias, veio potenciar os incêndios, “responsáveis pela destruição de produções e instalações agrícolas e pela morte de animais”.
Contudo, a CNA vincou que as consequências dos incêndios são, sobretudo, imputáveis “às políticas de sucessivos governos que promoveram o abandono da agricultura, a proliferação de plantações florestais de forma desordenada e sem gestão apropriada e a desertificação dos territórios rurais”.
O preço do gasóleo agrícola, as subidas nos valores dos fatores de produção e a baixa rentabilidade são outros dos problemas apontados pelo setor.
Vítor Rodrigues sublinhou ainda que a falta de água revela a urgência de se concretizarem investimentos para o armazenamento e a distribuição de água para rega.
“A maior parte do país está em situação de seca e o teor da água no solo é muito baixo. O Governo anunciou uma medida de auxílio a propósito da seca, mas nada se sabe até agora sobre como esta medida vai ser aplicada […]. O que a CNA exige é que este apoio chegue de forma célere e desburocratizada a quem mais dele precisa, nomeadamente os pequenos e médios agricultores”, concluiu.
Por sua vez, o secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Luís Mira, precisou que os picos de calor afetaram, sobretudo a zona interior do país, sensivelmente entre Guarda e Mértola, apesar de ter consequências em todas as regiões e culturas, incluindo para a floresta.
“Por exemplo, ver imagens de peras, no Oeste, ainda nas árvores, como se tivessem sido assadas no formo, é verdadeiramente chocante, mas os efeitos estão presentes na generalidade das culturas e afetam a produtividade das plantas, mesmo onde o impacto não é tão visível”, disse à Lusa.
A produção de pera rocha deste ano, cuja colheita começa dentro de duas semanas, poderá ser, pelo segundo ano consecutivo, metade do que num ano normal devido à seca e às alterações climáticas, estimou a Associação Nacional dos Produtores de Pera Rocha (ANP).
Apesar de as previsões iniciais para a colheita serem de uma produção acima da anterior, “os últimos dias quentes” trouxeram quebras de 20%, deixando a produção aquém da anterior.
O secretário-geral da CAP lamentou que, no que diz respeito à seca, continuem a não existir “medidas eficazes” por parte do Governo.
“As situações de seca têm vindo a tornar-se recorrentes ao longo dos anos mais recentes e, de maneira alguma, podemos dizer que os governos são surpreendidos por esta situação. Neste caso, o que falta é substituir a passividade política perante este problema, por investimentos estratégicos no uso e captação de água, bem como pela aposta num plano de construção de infraestruturas que permita gerir a disponibilização de água ao longo de todo o território nacional”, afirmou Luís Mira.
Para a CAP, não adianta ignorar as alterações climáticas, tendo em conta que este fenómeno veio para ficar. E, quando mais tarde reagirmos, “mais difícil e oneroso será para o país”, defende.
Na quarta-feira, a flexibilização pela Comissão Europeia de certos requisitos na legislação comunitária para o acesso a apoios à viticultura e produção de frutos e hortaliças prejudicadas pela seca foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia (UE).
Por exemplo, são eliminadas as restrições à utilização de fundos para as medidas de prevenção e gestão de crises, aumenta até 60% o nível de financiamento comunitário para estas atividades, que usualmente é de 50%.
Quanto à viticultura, os “viticultores titulares de autorizações de plantação que expirem em 2023 e se destinem a ser utilizadas em regiões afetadas pelos acontecimentos meteorológicos adversos da primavera de 2023 não estão sujeitos a sanções administrativas”, mas têm de informar as autoridades dos respetivos países, até ao final do ano, “de que não tencionam fazer uso da sua autorização e que não desejam beneficiar da prorrogação”.
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