Enquanto o aborto e a pílula do dia seguinte continuam proibídos em diversos países latino-americanos, os recentes conselhos para que as mulheres evitem engravidar - dados por diversos governos, como El Salvador, Colômbia e Equador - parecem contraditórios.
"Como podem pedir às mulheres que não engravidem, mas não oferecem a possibilidade de prevenir a gravidez", declarou Cecile Pouilly, porta-voz do Alto Comissariado para Direitos Humanos, referindo-se às legislações restritivas de diversos países na América Latina.
Na Colômbia e no Equador, o aborto só é permitido no caso de risco de vida da mãe. Em El Salvador, a interrupção da gravidez é punida com até 40 anos de prisão: em novembro, a Amnistia Internacional denunciou que cerca de vinte mulheres tinham sido presas por terem abortado.
Recomendar não ficar grávida não tem nenhuma utilidade nos países que proíbem ou limitam estritamente o acesso aos métodos contracetivos, como a contraceção de emergência ou o aborto, ressaltou nesta sexta-feira o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos.
"O conselho dado por alguns governos às mulheres para que evitem engravidar ignora que muitas mulheres não têm qualquer controlo sobre o momento ou as circunstâncias nas quais podem ficar grávidas, especialmente, em locais onde a violência sexual é bastante habitual", disse Zeid Ra'ad al-Hussein.
O responsável da ONU apelou aos governos que "garantam que as mulheres, os homens e os adolescentes tenham acesso aos serviços e informações de qualidade sobre saúde e reprodução, sem discriminação", pelo direito à reprodução, aos cuidados maternos e ao aborto num ambiente seguro.
A ministra da Saúde de El Salvador, Violeta Menjivar, garantiu que os métodos contracetivos estão mais facilmente disponíveis nos hospitais públicos do país, renovando o seu "apelo às mulheres que pensem de maneira responsável e que evitem engravidar".
A epidemia de Zika também reacendeu o debate sobre a interrupção voluntária da gravidez no Brasil, o maior país católico do mundo. Um grupo de militantes, advogados e médicos, entre eles o ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, vai iniciar uma batalha legal no Supremo Tribunal Federal (STF) para que seja autorizado o aborto em caso de microcefalia e quando uma grávida contrai Zika e não quer levar a gestação adiante.
No Brasil, o aborto é descriminalizado apenas em casos de violação, risco de vida da mãe e anencefalia. "É um tema polémico que envolve toda a sociedade e só pode ser tratado através de uma mudança na legislação", disse à AFP uma funcionária do ministério da Saúde.
Emergência pública
O vírus é suspeito de estar por trás do recente surto de recém-nascidos com microcefalia, uma má-formação congénita que acarreta uma caixa craniana anormalmente pequena. Diante da explosão desta condição na América do Sul, especialmente no Brasil, a OMS decretou na última segunda-feira uma situação de "emergência pública internacional".
Na quinta-feira, a OMS também considerou "apropriado" recusar doações de sangue de passageiros provenientes de países onde há surtos de Zika, para impedir a propagação do vírus, enquanto uma mulher grávida que esteve na Colômbia foi diagnosticada na Espanha - o primeiro caso na Europa.
O vírus propaga-se de maneira exponencial na América Latina por meio dos mosquitos do tipo Aedes, mas os Estados Unidos relataram um caso de transmissão por via sexual, no Texas. O vírus também foi detetado na urina e na saliva, anunciou nesta sexta-feira a Fundação Osvaldo Cruz, explicando, contudo, que ainda é muito cedo para saber se este é um novo tipo de contágio.
"A presença do Zika vírus, na forma ativa, foi detetada na saliva e na urina", declarou Paulo Gadelha, diretor da Fiocruz, no Rio de Janeiro, pedindo, na dúvida, que as mulheres grávidas "evitem beijar" e "dividir talheres" de uma pessoa que apresente os sintomas do vírus.
O Brasil é o país mais afetado pela epidemia, com 1,5 milhão de pessoas contaminadas, 404 casos de bebés nascidos com microcefalia desde outubro e 3.670 outros casos suspeitos associados ao Zika, contra 147 confirmados em 2014.
Comentários