Permitam-me iniciar este artigo com a imortal tirada dos Monty Python, “and now for something completely different” (“e agora algo completamente diferente”).
Falemos de vida política e de música rap.
Se há coisa que parece unir polos tão opostos como a vida política e o hip-hop (que, sim, pode ser político, mas não nos percamos em apartes) é a sua relação simbiótica e dependente da palavra.
Na política, argumenta-se, às vezes com rimas. Na canção rap, rima-se, às vezes com argumentos. Em ambos os casos, o efeito é produzir no ouvinte uma sensação prazerosa, seja pela lógica das ideias, a mestria como que se tecem sequências de frases ou pelo pathos que se emprega aos termos.
Convencer ou entreter, explicar ou emocionar, da boca partem as sílabas que dominam os dois campos em comparação. Contudo, nem sempre foi assim.
No caso do rap, como escreve Paulo André Cecílio, “no princípio não era o verbo, mas a batida”. Dentro do movimento juvenil que foi o hip-hop, brotado da miséria social na Nova Iorque dos anos 70, a música era só mais um ingrediente de uma festa de libertação que incluía graffitti e breakdance.
Mas a palavra acabou por se impor e o hip-hop tornou-se sinónimo da rima sobre a batida. Por tal fenómeno podemos agradecer ao tema “Rapper’s Delight”, que fez hoje 40 anos e que foi o seu veículo das palavras para o mundo.
Já na política, a palavra foi sempre fulcral em democracia, das ágoras gregas aos parlamentos espalhados por esse mundo fora. É o plano onde projetos e posições são partilhadas e discutidas, desqualificadas ou elevadas.
Apesar de perdurar a ideia de que os políticos deviam agir mais e falar menos, a verdade é que a mudez nunca elegeu ninguém e fazendo uso da sua voz que os candidatos se mostram aos eleitores. Tal se aplica às ações de campanha, mas também aos debates
No rol de confrontos que se têm organizado durante a campanha eleitoral, hoje decorre um dos mais esperados, antepondo Rui Rio a António Costa, os dois principais candidatos das duas principais forças políticas do país.
Tendo as mais recentes sondagens como pano de fundo — que diminuem a vantagem do PS para o PSD — este é um debate que tem sido altamente antecipado. Pode Rio procurar distanciar-se das vozes que determinam demasiado brando com os socialistas? Ou conseguirá Costa capitalizar com essa fraqueza do seu adversário para ganhar pontos. O resultado deste embate será analisado mais tarde pelo Tomás Gomes.
Há, porém, um reverso da medalha na utilização da palavra na política. É quando esta tende a ser usada de forma excessiva. Quando os cambiantes da língua tornam-se artifícios, a retórica passa a sofística, e a palavra torna-se um fardo para quem a ouve.
“Penso que na política as pessoas aprofundam muito o que não tem sentido, perdem muito tempo e dão muito destaque ao que não tem sentido.” As palavras são de Vitorino Silva, mais conhecido como Tino de Rans, candidato pelo partido RIR às legislativas, numa entrevista conduzida por Isabel Tavares.
Nessa conversa que Tino de Rans teve com o SAPO24, fica patente como a palavra pode ser pervertida para fins menos nobres, como quando diz que “Não tem sentido, por exemplo, um partido defender uma coisa quando está no poder e depois, quando vai para a oposição, defender o contrário.”
Mas terminemos esta diatribe com uma sugestão onde a palavra é mimada como em poucas outras ocasiões.
Às 21:30, no Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa, vai ocorrer o espetáculo de poesia "Bethânia e as Palavras”, em que a cantora brasileira Maria Bethânia vai intercalar novos poemas e literatura escolhida por si com canções e excertos de canções do cancioneiro popular brasileiro.
Ainda há bilhetes à venda, pelo que, se é para ouvir a palavra em toda a sua glória, corra em direção à Avenida da Liberdade. Se preferir ouvir os êxitos de sempre, a cantora brasileira também vai dar dois concertos no Coliseu dos Recreios nos dias 18 e 19.
Eu sou o António Moura dos Santos e hoje o dia foi assim.
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