Primeiro foi o irmão que começou a praticar o boxe e queria que Rosana Gomes fizesse o mesmo. Mas a jovem, na altura com 15 anos, hesitou e disse que o boxe é um desporto “só para homens”.
Pouco tempo depois, mudou de ideias e começou a dar uns socos no estereótipo. “Gostei e continuei até hoje”, disse à agência Lusa a jovem de 18 anos e que pratica o boxe há três, tornando-se numa das mulheres que já fazem o mesmo em Cabo Verde.
Tímida perante as câmaras, baixinha, cabelo curto e de poucas palavras, Rosana Gomes não vê nenhum problema em praticar o boxe.
“No nosso treino não há mulheres. Quanto calço as luvas sinto que sou homem também. Para mim não há nenhum problema”, assegurou.
E apontou as vantagens de ser pugilista: “ganhas mais fôlego e ficas com o corpo mais bonito. Além disso, pratico uma modalidade de que gosto muito”, completou a jovem, do bairro de Castelão e que treina e estuda no liceu Domingos Ramos, no centro da cidade da Praia.
Numa ainda curta carreira, Rosana lembrou que já conseguiu algumas vitórias regionais e nacionais, bem como algumas derrotas, primeiro na categoria de 52 quilos e depois em 57kg.
“Mas sempre foi bom”, afirmou, traçando como objetivo ser mais conhecida e mostrar o valor do boxe e da mulher cabo-verdiana.
E o que mais quer é participar nos Jogos Olímpicos.
“É o sonho de todos os atletas”, disse Rosana, que quer já em 2020, em Tóquio, estar entre os melhores. “Se deus quiser, vou treinar para isso”, prometeu.
Marisa Varela, 28 anos, pratica boxe há pouco mais de um ano, mas tem a mesma determinação e vontade, apesar de ainda não ter participado em nenhuma competição.
“Comecei porque acho que as mulheres também têm competência e capacidade para estar neste desporto e também podem representar a classe em todas as modalidades desportivas”, afirmou Marisa Varela, formada em fisioterapia, mas que ainda está à procura do primeiro emprego.
No boxe, no qual pretende competir na categoria de 75 quilos, o grande objetivo da jovem natural do bairro de Achadinha, na Praia, é continuar a lutar e “dar o máximo” para representar a mulher cabo-verdiana no país e na diáspora.
Rosana Gomes e Marisa Varela partilham a mesma paixão pelo boxe, mas também os mesmos problemas na modalidade em Cabo Verde, como falta de apoios e de materiais.
“Os atletas não têm condições financeiras para comprar, por exemplo, umas luvas. As dificuldades são muitas, mas não nos podem fazer parar”, completou pugilista da Escola Boa Vontade, instalada no gimnodesportivo Vavá Duarte, também na cidade da Praia.
Em declarações à agência Lusa, o presidente da Federação Cabo-verdiana de Boxe (FCB), Flávio Furtado, disse que há “muita vontade” das mulheres em praticar boxe no país, mas ainda enfrentam problemas de acesso.
“Por isso, esse é o trabalho que tempos de fazer para garantir o acesso a todas as mulheres em pé de igualdade com os homens. Há uma nova dinâmica que o exercício físico está a espoletar na sociedade e isso faz com que as mulheres procurem cada vez mais o boxe também para se manterem em forma”, salientou o líder federativo.
Flávio Furtado indicou que, por enquanto, o boxe feminino só é praticado nas ilhas de Santiago e São Vicente, mas a federação tem um projeto denominado “Boxe baseado no género”, em que o objetivo é levar a prática a todas as regiões desportivas.
Sem precisar números, o presidente afirmou que já há muitas mulheres a praticar boxe no país, inclusive no ano passado aconteceram três pares de combates no campeonato nacional.
“E a tendência é aumentar ano após ano”, projetou Flávio Furtado, antigo pugilista, que representou o país nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004.
Em relação às reclamações das atletas sobre falta de materiais e problemas financeiros, o presidente da FCB considerou que é uma “questão transversal” a todos os géneros, entendendo que cabe às autoridades e associados resolverem esses assuntos de acordo com o que diz a lei.
Segundo Flávio Furtado, as atletas têm qualidade e o objetivo da federação é algum dia levar alguma aos Jogos Olímpicos, onde o boxe feminino entrou em 2012, em Londres.
Além de levar o boxe feminino a todas as regiões desportivas, o presidente indicou que a federação tem ainda outro projeto de boxe escolar, para tirar crianças da rua, aproveitando da vertente educativa da modalidade olímpica.
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