A luta dos homens com os rios é antiga — e a do Mondego continua

Pedro Soares Botelho
Pedro Soares Botelho

Debaixo de uma das mais emblemáticas ruas do Porto está um rio. Corre a caminho do Douro, desde a praça Almeida Garrett, ali em São Bento, passando por Mouzinho da Silveira, indo desaguar junto à praça da Ribeira. O ribeiro separava o morro da Pena Ventosa — a elevação da Sé — do da Vitória. Acabou encanado.

A relação dos povos com os rios é antiga. O Porto (olhai para o nome) começou rente ao Douro e acabou a dar o nome a Portugal. Coimbra também à beira do rio nasceu. Tal como Lisboa.

A luta dos homens com os rios é antiga. Há muitos séculos que Coimbra tenta domar o Mondego. A última grande obra é dos anos 80 — mas está desde sábado a ceder. Depois de parte do dique ruir ontem, há este domingo outros dois pontos de fragilidade, onde a força da água está a escavar o dique que protege a vila de Montemor-o-Velho.

A associação ambientalista Quercus disse hoje que já em 2018 tinha antecipado um cenário de cheias no Baixo Mondego decorrente da deposição de inertes após as obras de desassoreamento da albufeira do açude-ponte em Coimbra. Num comunicado, a Quercus dizia que “o gigantesco aterro que está a ser efetuado no rio Mondego vai provocar graves problemas em termos de retorno das cheias e assoreamento do rio, com prejuízos para todo o vale do Mondego a jusante de Coimbra, nomeadamente para a produção agrícola e nas localidades ribeirinhas.

Os fortes efeitos do mau tempo, que se fizeram sentir desde quarta-feira, já provocaram dois mortos, um desaparecido, deixaram 144 pessoas desalojadas e 320 pessoas deslocadas por precaução, registando-se mais de 11.200 ocorrências no continente português, na maioria inundações e quedas de árvore.

Só no sábado, registaram-se mais de 1.700 ocorrências.

O tempo deverá melhorar nos próximos dias, com um natal de céu pouco nublado — mas só no continente. Que nos Açores o inverno é rigoroso, com chuva e vento; e, na Madeira, chuva também.

Seja a bonança depois das tempestades. Mas que não seja a distração: os danos vão continuar; as ruas e estradas do Baixo Mondego vão permanecer alagadas durante dias, semanas, talvez. Depois, há que recuperar os diques, roubar o terreno ao rio: pô-lo na linha.

E, talvez, pensar se é mesmo no Montijo, à beira do Tejo, que faz sentido construir um novo aeroporto.

Eu sou o Pedro Soares Botelho e hoje o dia foi assim.

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