“Os dados serológicos disponíveis, apesar das limitações e da qualidade das amostras, sugerem que os incidentes de covid-19 na maior parte dos países em África são entre 20 e 100 vezes mais do que os reportados oficialmente”, afirmou Ibrahim Abubakar, da University College, em Londres, numa sessão destinada a discutir a epidemiologia do vírus SARS-CoV-2 e a sua gestão virológica, preventiva e clínica.
A mesma realidade foi transmitida por John Nkengasong, diretor do Centro Africano para Controle e Prevenção de Doenças (Africa CDC, na sigla em inglês). Este responsável deu voz a um estudo recente, conduzido pela agência de saúde pública da União Africana que dirige, que envolveu cinco países – Uganda, Togo, Etiópia, Zimbabué e Serra Leoa – e mostra que os números de infeções reportados representam uma “esmagadora minoria” dos números reais da pandemia nos países estudados.
No Uganda foram sistematicamente reportados 80 vezes menos casos do que o total estimado de infeções e, no Togo, por exemplo, 106 vezes menos, disse Nkengasong.
A monitorização da evolução da pandemia em África é fundamental, sublinhou igualmente Penny Moore, virologista na Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, também interveniente na primeira sessão da Conferência Internacional sobre Saúde Pública em África (CPHIA, na sigla em inglês), que decorre até quinta-feira apenas ‘online’.
“A monitorização do aparecimento de novas variantes é essencial em África, especialmente em regiões com fracos índices de vacinação e forte presença do vírus da imunodeficiência humana (VIH), como é o caso da África Austral”, afirmou.
O conjunto de trabalhos apresentados pela especialista mostra que indivíduos com imunodeficiência, ou infetados através de hospedeiros intermediários, como animais, podem ser janelas para a explicação de mecanismos de emergência de novas variantes de preocupação, como a Ómicron, e outras que “certamente” aparecerão, como sublinhou Salim Abdool Karim, director do Center for the AIDS Program of Research in South África (Caprisa).
“Temos que nos preocupar com o aparecimento de novas variantes porque as novas variantes mudaram o jogo. Esta ideia que tínhamos em novembro do ano passado de que temos uma doença infecciosa, mas temos também uma vacina e o que temos a fazer é vacinar, para depois podermos prosseguir felizes as nossas vidas, foi exposta pelo aparecimento das variantes”, afirmou Abdool Karim.
Por outro lado, as variantes “são agora determinantes na forma como percebemos como vai evoluir esta pandemia e por isso é tão importante percebermos os efeitos que as vacinas vão ter em cada nova variante”, acrescentou.
Segundo Penny Moore, “quanto mais o vírus evoluir menos eficientes serão as vacinas”, ainda que haja que distinguir esta observação da “capacidade das vacinas prevenirem a infeção severa em resultado da infeção com a Ómicron”.
“Ainda não há dados suficientes, as experiências feitas apontam para a aparente capacidade das vacinas prevenirem a infeção severa, mas ainda é cedo para quaisquer conclusões e precisamos de mais dados”, disse.
Karim sublinhou que “a proporção de reinfeções com a Ómicron é muito maior do que o antecipado, na verdade, 2,4 superior, por comparação com as infeções com as variantes anteriores”.
Por outro lado, também a “imunização garantida pelas vacinas é também fortemente reduzida no caso da variante Ómicron”, acrescentou o especialista, ainda que o reforço da vacina da Pfizer tenha mostrado resultados positivos num estudo recente publicado no Reino Unido, igualmente segundo Abdool Karim.
Segundo o diretor do Caprisa, a taxa de contaminação da Ómicron é “aparentemente muito mais elevada”, ainda que seja necessário olhar para as taxas de transmissibilidade com “alguma cautela”, “porque nas três vagas anteriores a África do Sul instituiu várias medidas destinadas a mitigar a propagação do vírus, como as restrições ao movimento das populações, que agora não foram implementadas, nem mesmo em relação à concentração de pessoas”.
Quanto à severidade desta nova variante, em Pretória, onde foi inicialmente detetada a Ómicron, nas últimas três vagas, “cerca de duas em três admissões nos hospitais eram de casos de infeção severa, com necessidades de ventilação assistida. Nas primeiras três semanas de novembro, em contrapartida, com a explosão de novos casos de contaminação com a Ómicron, um em cada quatro casos é de infeção severa”, ilustrou o especialista.
“Há muito menos casos de admissões hospitalares com infeção severa”, reforçou Abdool Karim.
O especialista sul-africano considera que “não há razões de pânico”, pois “com outras variantes, como a Delta, o encerramento de fronteiras não produziu qualquer efeito”, como se viu, “apesar de vários países terem ido por aí”.
“Temos, sim, que ter os hospitais preparados, porque com uma maior taxa de transmissibilidade, teremos mais casos e maior pressão sobre os hospitais, ainda que a Ómicron produza menos casos de infeções severas, como parece demonstrar nesta fase inicial”, admitiu.
“Devemos também continuar as campanhas de vacinação. A vacina não é a ‘bala de prata’, mas pode ser usada como uma medida crítica nas nossas estratégias de prevenção, especialmente quando combinadas com outras medidas, como a do uso de máscaras e outras”, frisou.
Segundo John Nkengasong, “o continente africano precisa de 1,8 milhões de doses de vacinas”. “Isto quer dizer que temos que nos empenhar a fundo para vacinar 900 milhões de pessoas em todo o continente”, acrescentou o diretor do Africa CDC.
Até 09 de dezembro, África recebeu 431 milhões de doses de vacinas, dos quais 244 milhões foram ministradas. O continente imunizou até agora 11% da sua população com uma dose única e cerca de 7,3% foi totalmente imunizada, segundo Nkengasong, que comparou estes números com o resto do mundo, sublinhando que a China regista uma taxa de imunização completa na ordem dos 85%, a Europa 71%, Estados Unidos da América também 71%, ou Índia, cerca de 58%.
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