A mãe destas crianças foi uma das 115 pessoas que morreram no acidente, que levou o Governo moçambicano a decretar três dias de luto nacional.
No local, as feridas continuam abertas. Só em Nhacathale, aglomerado de casas que rodeia a carcaça do camião, que continua no local, vivem 27 órfãos distribuídos pelas casas de mães como Dusalia – ela própria há uns anos viúva.
O número é maior se englobar o resto das unidades e bairros de Caphiridzange: 220 órfãos em casas de barro, com cobertura de capim. As casas estão dispersas pelo planalto árido de Tete, uma zona sem infraestruturas, cortada pela estrada número 07, que liga Moçambique ao Maláui.
Para Dusalia, já era difícil alimentar cinco crianças, com dez diz que chega a haver dias em que só comem uma vez, uma porção de papas de farinha de milho.
A única ajuda garantida que têm é de um cabaz mensal do Estado, que acompanha quem foi afetado pela tragédia.
As mães de Caphiridzange e as crianças repartem os momentos de aperto para amparar a comunidade que se transformou numa terra de órfãos e viúvas.
“As possibilidades de sobrevivência são difíceis”.
Às vezes estão todos “a sofrer com fome”, diz Adelino Biquilone, 52 anos, chefe da unidade (aglomerado de habitações) de Nhacathale, onde aconteceu o desastre.
Sentado a uma máquina de costura a pedais, à porta de casa, interrompe o trabalho para dirigir uma visita guiada.
A vizinha Lendinha Cherene, 45 anos, tem 14 pessoas a seu cargo e tudo está mais difícil depois de ter ficado viúva no incêndio do camião-cisterna.
“Tenho que dobrar o trabalho”, dedicar mais tempo e esforço a uma agricultura de subsistência, numa terra que não ajuda.
“Aqui, costuma-se capinar”, limpar as terras de capim, mas “há seca” e “o cultivo não se está a dar muito bem”, explica Adelino.
As viúvas fabricam “phombe”, uma espécie de aguardente tradicional à base de farinha de milho e há ainda quem venda carvão e lenha à beira da N7.
Mas tudo somado não chega para sacudir a miséria que fez com que centenas de pessoas se aventurassem a roubar combustível ao balde para vender à beira da estrada e assim obter mais rendimento.
Foi no dia 17 de novembro de 2016: quando soube que estavam a baldear combustível do tanque do camião, José Luca, 14 anos, correu e tentou a sua sorte.
"Consegui um bidão de 20 litros de gasolina e deixei-o em casa. Quando regressei para conseguir um segundo bidão, ocorreu a explosão e fui atingido com fogo nos pés. Mas consegui fugir”, conta.
Como ele, centenas de pessoas tomaram de assalto o camião, desviado pelo motorista para a aldeia, e o furto tornou-se incontrolável.
De acordo com os relatos no local, o incidente com o pesado de matrícula malauiana, pertencente a uma firma de distribuição de combustível, sucedeu depois de uma motobomba entrar em curto-circuito.
Tal como Luca, vários feridos deixaram de ter condições de se sustentar, diz o líder da aldeia, o que faz com que os seus parentes, muitos seus anteriores dependentes, lutem agora pela sobrevivência da família.
E apesar do acidente, há quem insista em vender combustível junto à estrada N7.
O negócio é alimentado por uma clientela que inclui compradores de garrafas de meio litro ou litro e meio, que em vez de água têm agora gasolina. Mas também se transacionam quantidades maiores para camionistas de transporte de carga de longo curso.
No fim, todos voltam a manusear os combustíveis de forma perigosa.
A Polícia moçambicana, em Tete, iniciou em finais de novembro patrulhas de fiscalização para combater aquele negócio ilícito e apreendeu vários bidões à beira da estrada.
Fonte policial admite que o problema persiste, mas numa escala mais reduzida.
* Por Luís Fonseca (Texto e Vídeo) e André Catueira (Fotos e Vídeo), da agência Lusa
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